O Espírito da Lei nº
9.985/2000 e o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da
natureza.
João Flávio Costa dos Santos.
Organizamos
esta apresentação com o objetivo de elucidar as entrelinhas do SNUC, o que
chamaremos aqui de “Espírito da Lei”. Para alcançar este objetivo buscamos o
histórico de instrumentos legais que trataram de áreas protegidas no Brasil com
enfoque à Constituição Federal de 1988 que dedicou um capítulo inteiro às
questões ambientais. Por seguinte, passamos a descrever o trâmite do Projeto de
Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC,
enfocando as partes interessadas e os conflitos desenvolvidos. Com esta base
histórica, propomos ao final da apresentação uma interpretação do Espírito da
Lei.
A denominação
Unidades de Conservação é uma peculiaridade brasileira; internacionalmente, a
equivalência do termo é áreas protegidas. Levantamos alguns pontos anteriores à
instauração da SNUC que utilizaram de instrumentos legais para tratar de áreas
protegidas no Brasil e estes resultados são apresentados na Tabela 01.
26 de
julho 1891
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Decreto 8.843
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Reserva florestal
(Acre), com 2,8 milhões de hectares.
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28 de dezembro de 1921
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Decreto 4.421
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SFB – Florestas
Protetoras.
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23 de janeiro de 1934
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Decreto 23.793
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Parques nacionais,
estaduais e municipais.
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13 de fevereiro de 1948
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Decreto 3
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Parque nacional
reserva nacional, monumento natural e reserva de região virgem.
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15 de Setembro de
1965
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Lei 4.771
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Parques, reservas
biológicas e florestas nacionais, estaduais e municipais.
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27 de abril de 1981
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Lei 6.902
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Estações ecológicas
e as áreas de proteção ambiental.
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31 de janeiro de 1984
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Decreto 89.336
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Reservas ecológicas
e as áreas de relevante interesse ecológico.
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1988
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Constituição Federal
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Artigo 225.
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30 de janeiro de 1990
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Decreto 98.897
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Reservas extrativistas.
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5 de junho de 1996
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Decreto 1.992
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Reserva particular
do patrimônio natural.
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18 de julho de 2000
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Lei
9.985
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SNUC
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Tabela 01. Instrumentos legais
para Áreas Protegidas no Brasil.
As áreas protegidas
pioneiras do Brasil tinham um apelo cênico, ou seja, o principal objetivo era
preservar áreas de reconhecida beleza para usufruto da população. A questão da
conservação teve poucos exemplos, mas quando aconteceu foi para garantir a disponibilidade
de recursos destinados a uma massa urbana. Nessa ótica pode ser citado o
exemplo do reflorestamento da Floresta da Tijuca entre os anos de 1861-1889,
com o objetivo de garantir o abastecimento de água da população do Rio de
Janeiro.
A história das áreas
protegidas a título ambiental no Brasil apresenta também iniciativas
frustradas. Em 1891, por exemplo, o Decreto Federal nº 8.843 criou uma enorme
reserva florestal, no que é atualmente o estado do Acre, com 2,8 milhoes de
hectares. No entanto, não se conhece qualquer iniciativa no sentido de sua
implementação.
Tomamos contato com o
decreto legislativo nº 4.421, de 28 de Dezembro de 1921. Este decreto criou o
Serviço Florestal Brasileiro e no Art. 3º incumbe ao órgão:
I. Promover e
auxiliar a conservação, criação e guarda das florestas
protetoras, isto é, das que servem para:
§ 1.º Beneficiar a higiene e a saúde publica.
§ 2.º Garantir a pureza e abundância dos mananciais aproveitáveis á alimentação.
§ 3.º Equilibrar o regime das águas correntes que se destinam não só ás irrigações das terras agrícolas como também ás que servem de vias de transporte e se prestam ao aproveitamento de energia.
§ 4.º Evitar os efeitos danosos dos agentes atmosféricos; impedir a destruição produzida, pelos ventos; obstar a deslocação das areias movediças como também os esbarrocamentos, as erosões violentas, quer pelos rios, quer pelo mar.
§ 5º Auxiliar a defesa das fronteiras.
§ 1.º Beneficiar a higiene e a saúde publica.
§ 2.º Garantir a pureza e abundância dos mananciais aproveitáveis á alimentação.
§ 3.º Equilibrar o regime das águas correntes que se destinam não só ás irrigações das terras agrícolas como também ás que servem de vias de transporte e se prestam ao aproveitamento de energia.
§ 4.º Evitar os efeitos danosos dos agentes atmosféricos; impedir a destruição produzida, pelos ventos; obstar a deslocação das areias movediças como também os esbarrocamentos, as erosões violentas, quer pelos rios, quer pelo mar.
§ 5º Auxiliar a defesa das fronteiras.
Continuando a busca por instrumentos legais
que legislam áreas protegidas, chegamos ao primeiro Código Florestal, o decreto
nº 23.793 de 23 de Janeiro de 1934. Esta é a primeira referência legal
brasileira a parques nacionais, estaduais e municipais. Ele classificava as
florestas nativas (e não nativas) em quatro tipos: “protetoras” e
“remanescentes” (ambas sob regime de preservação permanente), e “modelo” e
“produtivas”(ambas passíveis de exploração comercial).
Art. 9º Os parques nacionais, estaduais ou
municipais, constituem monumentos públicos naturais, que perpetuam em sua
composição florística primitiva, trechos do país, que, por circunstâncias
peculiares, o merecem.
§ 1º É rigorosamente proibido o exercício de
qualquer espécie de atividade contra a flora e a fauna dos parques.
Art.
10. Compete ao Ministério da Agricultura classificar, para os efeitos deste
código, as varias regiões e as florestas protetoras e remanescentes, localizar
os parques nacionais, e organizar florestas modelo, procedendo para tais fins,
ao reconhecimento de toda a área florestal do país.
Em 1948, pelo Decreto Legislativo n° 3 de 13
de fevereiro de 1948, as categorias de parque nacional, reserva nacional,
monumento natural e reserva de região virgem foram criadas atendendo à
Convenção sobre a proteção da Flora, da Fauna e das Belezas Cênicas Naturais
dos Países da América assinada pelo Brasil, a 27 de dezembro de 1940.
O perambulo do decreto menciona a preocupação
dos governos americanos em “proteger e
conservar no seu ambiente natural exemplares de todas as espécies e gêneros da
flora e fauna indígena” para evitar extinções, além de interesse em proteger e conservar as paisagens de grande
beleza.
Artigo I
Definição dos termos e das expressões empregadas nesta
Convenção.
1 - Entender-se-á por Parques Nacionais:
As regiões estabelecidas para a proteção e conservação
das belezas cênicas naturais e da flora e fauna de importância nacional das
quais o público pode aproveitar-se melhor ao serem postos sob a
superintendência oficial.
2 - Entender-se-á por Reservas Nacionais:
As regiões estabelecidas para a conservação e utilização,
sob a vigilância oficial, das riquezas naturais, nas quais se protegerá a flora
e a fauna tanto quanto compatível com os fins para os quais estas reservas são
criadas.
3 - Entender-se-á por Monumentos Naturais:
As regiões, os objetos, ou as espécies vivas de animais
ou plantas, de interesse estético ou valor histórico ou científico, aos quais é
dada proteção absoluta, com o fim de conservar um objeto específico ou uma
espécie determinada de flora ou fauna, declarando uma região, um objeto ou uma
espécie isolada, monumento natural inviolável, exceto para a realização de
investigações científicas devidamente autorizadas ou inspeções oficiais.
4 - Entender-se-á por Reservas de Regiões Virgens:
Uma região administrada pelos poderes públicos, onde
existem condições primitivas naturais de flora, fauna, habitação e transportes,
com ausência de caminhos para o tráfico de veículos e onde é proibida toda
exploração comercial.
Em 15 de Setembro de 1965 a Lei Nº 4.771
(também conhecida por novo Código Florestal) ampliou os conceitos de parques,
reservas biológicas e florestas nacionais, estaduais e municipais, dando-lhes
finalidades específicas, incluindo-se ainda a possibilidade da transformação de
florestas particulares em unidades particulares de preservação permanente. Esta
lei trouxe como novidade principal a criação de UCs de uso indireto (parques
nacionais, estaduais, municipais e reservas biológicas), que não permitiam o
uso dos recursos naturais, e as de uso direto (florestas nacionais e parques de
caça), que permitiam a exploração direta dos recursos naturais.
II - área de preservação permanente: área protegida nos termos dos
arts. 2o e 3o desta Lei, coberta ou não por
vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a
paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e
flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas; (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001)
III - Reserva Legal: área localizada no interior de uma propriedade
ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso
sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos
ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e
flora nativas; (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001)
IV - utilidade pública: (Incluído pela Medida
Provisória nº 2.166-67, de 2001)
V - interesse social: (Incluído pela Medida
Provisória nº 2.166-67, de 2001)
VI - Amazônia Legal: os Estados do Acre, Pará, Amazonas, Roraima,
Rondônia, Amapá e Mato Grosso e as regiões situadas ao norte do paralelo 13o
S, dos Estados de Tocantins e Goiás, e ao oeste do meridiano de 44o
W, do Estado do Maranhão. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001)
§ 1° A supressão total ou parcial de florestas de preservação permanente só
será admitida com prévia autorização do Poder Executivo Federal, quando for
necessária à execução de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade
pública ou interesse social.
§ 2º As florestas que integram o Patrimônio Indígena ficam sujeitas ao regime
de preservação permanente (letra g) pelo só efeito desta Lei.
Art. 3o-A. A exploração dos recursos
florestais em terras indígenas somente poderá ser realizada pelas comunidades
indígenas em regime de manejo florestal sustentável, para atender a sua
subsistência, respeitados os arts. 2o e 3o
deste Código. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001)
Art. 4o A
supressão de vegetação em área de preservação permanente somente poderá ser
autorizada em caso de utilidade pública ou de interesse social, devidamente
caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir
alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.166-67, de
2001)
Novas categorias de UCs foram instituídas
pela Lei no 6.902, de 27 de abril de 1981: as estações ecológicas e as áreas de
proteção ambiental. O Decreto no 89.336, de 31 de janeiro de 1984, criou duas
categorias a mais: as reservas ecológicas e as áreas de relevante interesse
ecológico. Estas últimas foram reconhecidas como UCs pela Resolução no 12, de
14 de dezembro de 1987, do Conselho Nacional do Meio Ambiente(Conama). As
reservas extrativistas surgiram em 1987, com base na Portaria 627 do Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), mas só foram reconhecidas
como UCs por intermédio do Decreto 98.897, de 30 de janeiro de 1990. Após
várias iniciativas similares, porém inconclusivas, do Instituto Brasileiro de
Desenvolvimento Florestal (IBDF) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e
dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), foi instituída, pelo Decreto 1.992,
de 5 de junho de 1996, a categoria reserva particular do patrimônio natural,
modalidade de UC criada em terras particulares, por iniciativa dos seus. Havia,
ainda, outras UCs com denominações e finalidades diversas, criadas nas esferas
de governo federal, estadual e municipal.
Assim, o Brasil chegou a década de 1990 com
uma pluralidade de categorias de áreas naturais protegidas a título ambiental,
ao mesmo tempo em que se firmava em escala internacional um consenso em torno
da importância da proteção da biodiversidade e das paisagens nativas. Os
diferentes tipos de UCs nasceram a partir de vários fatores, inclusive a
sintonia de cientistas e administradores com as mudanças no panorama mundial da
conservação ambiental, a ampliação do interesse social na questão, pressões
internacionais e a concorrência entre organismos gestores e as suas diferentes
políticas. Faltavam, no entanto, leis e diretrizes de gerenciamento que
garantissem eficácia a essa variedade de categorias. A situação exigia um
esforço de sistematização.
A Constituição Federal de 1988
assegura a todos, em seu artigo sobre meio ambiente (transcrito a seguir) um
meio ambiente ecologicamente equilibrado e prevê que cabe ao Poder Público o
dever de defendê-lo e preservá-lo:
Constituição Federal - CF - 1988
Título VIII
Do Meio Ambiente
Art. 225 - Todos têm direito
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações.
I - preservar e
restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das
espécies e ecossistemas;
II - preservar a
diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as
entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
III - definir, em todas
as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem
especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente
através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos
atributos que justifiquem sua proteção;
VII - proteger a fauna e a
flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função
ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
Conforme previsto no Inciso III do 1º parágrafo, um dos
instrumentos que a Constituição aponta para o cumprimento desse dever é o
estabelecimento de espaços territoriais
protegidos por parte do poder público. A fim de atender à constituição foi
elaborado o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) cujo processo de
elaboração e negociação perdurou por cerca de 10 anos com elevadas doses de
polêmicas entre as partes interessadas.
A
origem do SNUC remete-se ao Instituto de Brasileiro de Desenvolvimento
Florestal (IBDF), ainda em 1988, quando o órgão incumbiu a ONG Fundação
Pró-Natureza (FUNATRA) de elaborar um anteprojeto de lei instituindo um sistema
de unidades de conservação.
A
Funatra encontrou dificuldades para definir categorias de manejo, ao passo que
deveria excluir categorias semelhantes e crias novas onde se viam brechas na
legislação. No ano seguinte, o anteprojeto foi entregue ao CONAMA (Conselho
Nacional do Meio Ambiente) com aprovação em maio de 1992. Após, foi encaminhado
à Casa Civil da Presidência da República, onde foram suprimidos os dispositivos
que criminalizavam as agressões às UCs, substituídos por sanções
administrativas.
O deputado Federal
Fábio Feldmann, relator do projeto de lei do SNUC entre 1992 e 1995, apresentou um substitutivo ao projeto, introduzindo
modificações relevantes como a questão da ocupação humana em áreas de unidades
de conservação.
Daí surge o debate inicial entre
duas linhas principais:
uma defensora da existência de áreas resguardadas da interferência humana, em
prol do conhecimento e da operação dos ecossistemas pelas futuras gerações; e
outra defensora da presença das populações tradicionais, mais tolerante à
presença humana em espaços sob regime de proteção.
Em
1995 a
relatoria passou ao deputado federal Fernando Gabeira. Um novo substitutivo foi apresentado por este, aprofundando
as divergências entre os ambientalistas e alimentando, ainda mais, a polêmica.
Um dos fortes argumentos contrários à
presença humana destaca que as UCs de uso sustentável são de futuro incerto do
ponto de vista da manutenção da biodiversidade e que determinadas espécies,
como os megaherbívoros e os carnívoros de topo de cadeia, seriam especialmente
suscetíveis à presença e aos usos humanos. Por outro lado, um forte argumento
da posição mais permeável à presença humana em UCs é o de que seria social e
politicamente injusto retirar as populações ocupantes de tais espaços porque,
inclusive, elas teriam colaborado para a conservação e a manutenção da biodiversidade.
Após
inúmeras reuniões, audiências públicas, versões e modificações, o projeto foi
aprovado no Congresso em 2000, mas teve ainda alguns dispositivos vetados pelo
presidente Fernando Henrique Cardoso, como por exemplo, a definição de
populações tradicionais.
O
resultado (Lei
nº 9.985/2000) – uma tentativa de conciliação
entre visões muito distintas – apesar de não agradar inteiramente a nenhuma das
partes envolvidas na polêmica, significou um avanço importante na construção de
um sistema efetivo de áreas protegidas no país.
O
espírito da lei, interpretado pela história de sua construção, está no caráter
complementar entre as diferentes categorias de UCs. O SNUC deu funções específicas para cada
categoria de área protegida, mas integrou todas em um Sistema que representa a
interseção dos interesses defendidos
por diferentes partes.
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